Quadrado Textil

Quadrado Textil
Lenço (latin linteum, -i, pano de linho) s.m. Peça de roupa, que consiste num pedaço de tecido, quadrado, com que se abriga o pescoço ou a cabeça.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sol Morno de Inverno

Já passava das 23:00 e, finalmente, todos os relatórios anuais estavam revistos. Tinha sido uma semana esgotante. Só Rosa se encontrava no escritório. Era uma colega silenciosa e discreta, de uma simpática presença e muita competência. Também ela terminara as suas tarefas de revisão e levantava-se .
À saída junto ao bengaleiro apanhava o seu lenço que caíra no chão, quando pegou no seu grosso casaco, enquanto eu me aproximava. Abriu o lenço sobre o balcão da entrada e, com toda a sua doce suavidade, dobrou em fita, como se tivesse prazer na seda que lhe escorria entre os dedos. Era impossível não dizer nada. Mas nada mais me ocorria para além da vulgar frase:
- Esta frio, não é? - comentei hesitante.
- Está demais. - respondeu sorridente enquanto dava uma volta ao pescoço com o seu lenço, antes o atar na frente.
Se Rosa tivesse a noção de como ficava sensual nessa sua forma de proteger o pescoço...
- Não estas cansada depois deste semana tão longa?
- Estou tanto. Vou precisar mais que uma terapia para recuperar.
- É o que vou fazer amanhã. Vai estar céu limpo e no inverno a luz fica espectacular para fotografar. É a minha forma de recuperar. 
- Que giro. Para onde vais? - inquiriu curiosa.
- Para o lado nascente de um bosque a meia hora daqui. Tem um penhasco com uma vista fantástica e nesta altura está deserto. Ideal para fotografar. Queres vir comigo? - atirei sem pensar.
- ...Quero. Quero sim. Estou a precisar de ar puro. Boa ideia! - aceitou surpresa pelo convite.
- Vou muito cedo. Vai estar muito frio. Achas que aguentas?
- Claro que sim. A que horas?
- Às sete aqui, no estacionamento em frente à empresa, junto ao jardim das tulipas. Pode ser?
- Sim, pode. Sábado, de manha, deve estar vazio.
- Então até amanhã que já é tarde. - despedi-me sem vontade de ir.
- Até amanhã.

Sem ter dado por nada tinha combinado uma saída com uma colega, com quem nunca tinha pensado sair. Creio que Rosa nunca saíra com ninguém da empresa, excluindo os jantares de natal.
De alguma forma o seu momento a por o lenço no pescoço me seduziu e me fez falar tão espontaneamente que me apagou a timidez.

Passadas poucas horas de sono acordei ainda no escuro. Pouco tempo levei a sair e 20 minutos antes da hora já estava estacionado à espera de Rosa. Não queria que ela chegasse antes e ficasse só, à espera.
Na hora combinada, saindo do seu Smart branco, com um aberto sorriso nos lábios, como se procurasse a minha aprovação para uma ousadia, que não lhe era habitual. Vinha muito bem preparada para o frio; Botas altas e robustas estilo cavaleira, casaco grosso, luvas e um sensual lenço na cabeça, estilo Grace Kelly, rematado com os seus óculos de sol, que colocara para a proteger dos primeiros raios do dia. Nem fazia ideia do efeito que sortira em mim. Um indisfarçável desejo tomava conta do meu pensamento.
Não resisti a um subtil elogio:
- Estás muito bem preparada! Vamos Rosa? - abrindo-lhe a porta do meu carro.
- Vamos. - entrando sem hesitar.

Conduzi mais depressa que é habitual.  Seria porque a estrada era, nessa hora, deserta mas, principalmente, pela ansiedade em chegar e puder olhar para a Rosa como nunca a olhara no passado. Era desconcertante como ficara seduzido no instante que saiu do seu carro de lenço na cabeça, tão bem colocado. E Rosa sem dar por isso...
De súbito já estávamos na orla do bosque com o carro estacionado. 
- Que lindo! - disse Rosa espantado com o cenário fantástico.
- E espera até te mostrar os meus "locais secretos".
- Estou ansiosa para ver. Vamos.
Peguei na mochila com a máquina fotográfica e partimos para o passeio.
Estava uma luz quente amarelada que cruzava o bosque denunciando todas as sombras e formas. Toda a humidade do orvalho adicionava um cristalino brilho à natureza. Uma riqueza de sons e cheiros da terra dispersos completavam o cenário.  
Rosa apreciava cada recanto, cada árvore, cada flor... Por vezes distanciava-se de mim enquanto me concentrava nalgumas composições. Percebia-se que se soltava do peso da semana anterior.  
Para além da natureza diversa não resistia a fotografar Rosa de longe. Felizmente equipei a máquina com a minha maior lente zoom.
Não foi preciso muito para Rosa perceber que também ela era alvo da câmara, sorrindo ao dar por isso.
- Estavas a fotografar-me? - inquiriu
- Não resisti. Não queres? - perguntei um pouco inseguro.
- Quero, claro. Mas assim de lenço na cabeça? 
- Sim. Foi assim que vieste. Faz parte deste dia. E fica-te, mesmo, tão bem. Olha. - mostrando uma das melhores fotos no ecrã da câmara, em que a luz cruzava a sua expressão..
- Ah! Não estava à espera. Gosto tanto. Que luz.
- Posso tirar-te mais?
- As que quiseres. Adorei.
- Mas não te preocupes que não tiro muitas. Para puderes apreciar o passeio sem preocupações.
- Que bom... Depois ofereces-me uma dessas?
- Sim, claro que sim.

Assim o tempo é um momento, um instante. Sem dar por nada passava do meio dia e o sol vencia o frio da manhã, mas ainda não havíamos chegado ao local mais especial. 
Já havia a necessidade de abrir um pouco os casacos e Rosa, com a sua suavidade habitual desatara o lenço da cabeça, prendendo, novamente, o meu olhar. 
- Que tem meu lenço? - perguntou após me denunciar.
- Tive uma ideia. Uma surpresa... Posso fazer-te uma surpresa? - balbuciei com dificuldade.
- Uma surpresa?! Ah! O lenço. Queres me vendar para uma surpresa? - deduziu rapidamente.
- Sim... Quero. E tu queres? - respondi hesitante.
- Uma surpresa vendada? Que giro. Nunca me fizeram. Claro que quero. Acha que sempre desejei que me fizessem mas nunca aconteceu. Adoro surpresas. 

Sentou-se num largo tronco caído e sobre o seu colo dobrou o lenço acariciando a seda da forma como só ela sabe. Guardei silêncio profundo para degustar este delicioso momento. 
Levantou-se à minha frente, guardou os óculos de sol no bolso do casaco, colocou, docemente, o seu lenço dobrado, em fita, nas minhas mãos e olhou-me nos olhos como a indicar que estava pronta. Estava em contra-luz, o contorno do seu cabelo brilhava enquanto eu aproximava lentamente o lenço dos olhos. 
A seda encostava na sua pele e pareceu arrepiar-se quando sentiu o nó justo a ser atado; esticou ambas as mãos para que as agarrasse. Assim ficamos imóveis enquanto se habituava ao novo escuro, enquanto ouvia novos sons e sentia novos aromas, que já lá estavam imperceptíveis. Parecia-lhe que ouvia, agora, mais pássaros,  mais folhas balançavam na brisa, mais movimentos camuflados, mais cheiro a terra e humidade. 
Virei-me para o caminho e Rosa de braço esquerdo entrelaçado no meu com a sua mão direita a agarrar. Descemos, lentamente, por um caminho fácil mas com uma infinidade de curvas que fazia com que Rosa se sentisse cada vez mais perdida e curiosa. 
- Há anos que não era vendada. Desde adolescente em jogos. - suspirou quebrando o silêncio.
- E estas a gostar?
- Estou. Estou muito. Mas fiquei perdida. Onde me levas?
- Ainda falta um pouco. Assim sentes mais o bosque. E vais gostar.
- Há algum riacho? Estou a ouvir... - apercebeu-se bem antes de eu o ver.
- Uma nascente. 
Continuamos a descida até, que paramos. Era mais forte o cheiro a terra molhada e mais intenso o estalido do pingar da nascente. 
- Porque paramos? Chegamos? - pergunta curiosa e ansiosa.
- Sim. Chegamos.
- E o lenço não tiras?
- Ainda não. Ainda... Não digo.
- Ai. Sabes que isso é muito provocante...
Pequei na câmara e voltei a fotografar. A fotografa-la. Rosa apercebeu-se, pelo som do obturador e dos meus passos nas folhas caídas. Virava-se para esses sons como se me procurasse mas nada dizia. Sentia...
Guardei o equipamento todo e aproximei-me, por trás, lentamente. Rosa ouvia tudo. Sempre denunciado pelas folhas pisadas. Aconcheguei-me nas suas costas abraçando-a leve e cuidadosamente como se fosse da mais fina porcelana. Cercada pelos meus braços com as mãos ousadas sobre o umbigo e a cara encostada na sua face esquerda, emitindo o calor da minha respiração. Rosa ainda mais perdida no escuro da seda, debaixo do sol de inverno que, entretanto, ficara morno servindo um suave conforto. Milímetro após milímetro as minha mãos escalavam as sobre suas costelas, tenuamente pisando a fronteira dos seios que era percorrida de trás para a frente, onde desapertava um botão em cada volta, percorrendo o mesmo caminho pelo interior do casaco, ameaçando tocar, sugerindo que iria mais longe, provocando, explorando com a minúcia de um artista até chegar ao pescoço. Rosa discretamente contorcia-se como se procurasse as minhas mãos exploradoras, levantando os braços autorizando uma maior invasão. Juntavam-se os lábios que seduziam seu pescoço. Apenas ligeiros contactos e o sempre presente calor da respiração que já se aproximava por trás das orelhas, mordiscadas pelos lábios enquanto o nó do lenço, que a vendava, deixava de estar justo. Rosa quis resistir, sem confessar, a que quebrasse o momento, a tirar a venda, mas sem sucesso. Prudentemente não fui mais longe. Preferi deixar um perverso desejo no ar. Era o momento de disfrutar da singela mas arrebatadora paisagem. Enquanto nos aproximamos imaginara como seria. Esteve sempre longe do que podia, agora, ver.
- Tão bonito! - balbuciou ainda a recuperar da provocação
- Que bom que gostas. Valeu a pena a surpresa?
- Sim... Sim, valeu Nunca me tinham feito nada semelhante. Obrigada...

Coloquei o lenço que tinha desatado na seu bolso e devolvi-lhe o seu espaço. Calmamente apreciamos a paisagem local e tudo serenou mas uma agri-doce sensação de que algo por concluir pairava sobre nós.

- Temos agora de subir. Estas preparada? - perguntei a preparar o retorno.
- Estou. Acho que estou. - respondeu hesitante.
- Agora vais poder ver o caminho de volta - dito de forma premeditadamente provocatória.
- Pois vou. Mas gostei tanto da descida.
- Queres subir como desceste?
- Vendada?
- Sim
- ...quero. - sussurrou colocando a mão no bolso à procura do lenço.

Deu-me o lenço ainda bem dobrado. Com o mesmo cuidado de antes vendei-a com o seu lenço. A sua reacção ao toque da seda parecia ainda mais intensa.
Colocou seu braço sobre o meu e agarrou com a mão a outra mão. Eu selei o contacto colocando a minha mão sobra a mão de Rosa. A venda foi uma desculpa para ambos subirmos mais próximos.
- Nunca pensei que andar vendada fosse tão bom. - disse baixinho.
- Ficas tão sensual assim...
- Fico?! De olhos vendados?!
- Nem imaginas quanto.
- Percebi que este lenço não te deixou indiferente.
- Eu tentava ser discreto. Para não te deixar constrangida.
- Não deixas nada. Adorei.
- E eu adoro ver-te assim.
- E sempre que eu usar um lenço vais convidar-me para sair?
- Fico com um irresistível desejo de o fazer.
- E posso aproveitar-me disso?
- Espero que sim.

Entretanto já estaríamos próximo do carro. Parei-a, frente-a-frente, e suavemente desci, o lenço que a vendava, até ao pescoço. Rosa endireitou o cabelo e usou-o assim dobrado como fita do cabelo, sabendo que eu gostaria de ver.
- Ficas mesmo bonita. - afirmei sem complexos.
- Obrigada.
- Muito obrigado pela companhia. Pena que acabou. Por hoje...
- Sim, por hoje...


QT













Sem comentários:

Enviar um comentário