Estava farto do monótono emprego de escritório. Todo o dia o mesmo, num repetido horário de oito horas, sentado atrás de um teclado. Já tinha pensado em aplicar umas poupanças e reservar um tempo para fazer algo realmente diferente, quando soube que havia um curso de mordomo em Londres. Seria, de facto, algo bem diferente. Um impulso imprudentemente aventureiro fez-me inscrever.
Era um curso intenso, nada barato, muito diversificado e com uma encantadora formalidade inglesa. Sem dificuldade encontrei voos acessíveis e alojamento aceitável nos subúrbios, como seria de esperar durante esta época baixa.
Aproveitando os muitos dias de férias acumulados, folgas e feriados, agendei quatro semanas seguidas. Poucos dias passados já estava em Londres. As jornadas de formação eram intensas. Mal deu para passear, como esperava, mas valia a pena. Conclui o curso surpreendentemente bem classificado e regressei satisfeito para casa, sabendo que o teclado seria o meu destino.
Já cumpria a habitual rotina quando li, num semanário, um tão invulgar como inesperado anúncio a pedir um mordomo, para uma casa em Cascais.
Novamente o impulso levou-me a arriscar. Não tinha experiência, mas tinha uma acreditada formação, falava fluentemente diversas línguas, boa educação e larga cultura, boa postura e outros, muito oportunos conhecimentos, que aprendera com hobbies que tivera. O processo de seleção não foi longo e a concorrência parecia ao meu alcance. Quase todos aparentavam ser empregados de mesa de restaurante, à caça de um suposto generoso salário que era prometido, mas ainda por conhecer.
Depois de uma primeira entrevista, com uma eficiente senhora, que aparentava vir de uma agência de recursos humanos, muito orientada para saber experiência e habilitações, dominando, na perfeição, uma longa fase de seleção, veio uma segunda senhora que, com apenas a nata dos candidatos, que teriam sido selecionados, faria a escolha final.
Era a dona da casa - Dona Constança Maria de Albuquerque – que pedia para caminhar, para dizer umas frases em inglês e francês e conversava brevemente querendo saber sobre outros conhecimentos.
Foi breve a conversa. Não pude deixar de reparar discretamente no seu sedutor lenço de seda bem dobrado e atado no pescoço, finalizando como um perfeito acabamento ao seu clássico fato saia-casaco muito formal.
Parecia-me que não me teria saído mal, mas não tinha certeza nenhuma, neste novo ambiente.
Voltei para a sala onde, juntamente com os outros candidatos, esperara pela entrevista. Uma larga biblioteca, repleta de livros antigos, mas meticulosamente limpa, sem mofos nem imperfeições.
A responsável pelos recursos humanos apareceu novamente, sempre no seu estilo muito despachado e eficiente, entregando um pequeno envelope a cada e agradecendo o tempo ocupado. Aparentemente continha um cartão presente, para compras e uma nota de agradecimento, mas o meu apenas continha um cartão-de-visita onde estava manuscrito, nas costas: "Por favor aguarde. Obrigada"
Os outros candidatos saíram enquanto eu mantive-me discretamente sentado.
Pouco esperei embora parecesse uma eternidade.
Indicou-me que me sentasse numa cadeira junto à mesa, sentou-se, também, perto e foi muito directa ao assunto.
Sr. Leonardo a posição de mordomo desta casa é sua, caso pretenda. Oferecemos residência, alimentação e este salário anual mais plafond para custos de representação. Terá também telemóvel de serviço e carro, que, para além de serviço, poderá usar particularmente - Entregando novamente um cartão-de-visita, com um número mais que simpático.
- Caso aceite e não necessitar mais tempo para refletir, gostava de lhe perguntar quando teria disponibilidade para iniciar? - Confiante na sua irrecusável proposta.
- Posso apontar para o primeiro dia do próximo mês. Tenho ainda de documentar e passar o meu trabalho actual. - Dadas essas condições, correndo um aventuroso risco, respondi um pouco hesitante.
- Parece-me muito bem. Tem alguma questão?
- Para já apenas uma. Qual é o tratamento que prefere?
- Confesso que ainda não tinha pensado nisso.
- Talvez por título académico? Se me permitir a sugestão. - Perigosamente assumindo que o teria.
- Como lhe foi recomendado na sua formação?
- Por ter tido formação em Londres o tratamento recomendado era por "Madam", mas aqui em Portugal é seguramente mais diverso.
- Que chique! - Respondeu, estreando um muito discreto sorriso, após uma breve pausa.
- Deseja dessa forma? - Um pouco surpreso, mas apercebendo-me que teria gostado.
- Sim, porque não?
- Certamente, Madam.
- Então no próximo dia 1 inicia funções. Aguardarei por si. Obrigada - Fechando friamente a conversa após esticar a mão para se despedir.
- Muito obrigado. Até breve.
Voltei a casa a sem conseguir evitar pensar se não me iria arrepender. Subitamente tudo o que era certo mudara. Estava, de certa forma, em choque. Só agora é que tomava consciência do risco que era trocar o certo pelo incerto embora, prudentemente tivesse pedido uma licença sem vencimento por um ano. Nem experiência das funções tinha.
Chegado o novo mês, precisamente às sete horas do primeiro dia, apresentei-me ao serviço. Foi a empregada mais antiga, Maria de Fátima, que me apresentou a todo o staff, à grande mansão, aos meus aposentos, à sala de trabalho e até aos imponentes cães de guarda. Fiquei a saber que para além das tradicionais funções de mordomo como gerir o pessoal, supervisionar o serviço e refeições, garantir o aprovisionamento, receber e acolher convidados teria tarefas de elevada exigência, que seriam seu reflexo, como fiscalizar a transparência da água da piscina bem como dinamizar os chás com as amigas, que aparentemente teriam muita importância para a sua imagem.
Era um restrito grupo de mulheres, todas casadas com importantes homens de negócios, frequentemente ausentes em viagens, desocupadas e com filhos fora ou já independentes. No fundo muito solitárias. A minha patroa não era excepção. Tinha a maior casa, adorava entreter e, talvez, exibir a sua riqueza. Seria por isso que ter mordomo a fazia sentir ainda mais importante.
Os primeiros meses, plenos de aprendizagem e trabalho, permitiram-me ganhar a confiança dos empregados e a minha própria. Graças á minha formação foram estabelecidas regras e métodos que permitiam gerir a grande casa de forma mais práctica e eficiente. As receções às amigas tornaram-se mais frequentes e até faladas.
Usava algum tempo de gabinete para aprender sobre chás e infusões, suas propriedades e efeitos, sobre scones, que dão um estilo mais inglês à mesa ou mesmo para encontrar músicas para se ouvir de fundo. Foi numa destas horas que me surgiu a ideia que Leonard Cohen seria apropriado. Mais apropriado que alguma vez imaginara.
Na seguinte receção, com três ilustres convidadas, o programa seria o habitual: Canasta, chá e novamente Canasta. Enquanto servia os diversos tipos de, na realidade infusões, discretamente tocava Leonard Cohen que havia selecionado de véspera quando, subitamente, uma das convidas, ao ouvir Take This Waltz, se dirigiu a mim sem cerimónias:
- Leonardo, sabe dançar valsa?
- Quero acreditar que sim, Madam - Usando o tratamento semelhante à patroa, que derretia as convidadas.
- Adorava saber e poder dançar. - Iniciando uma conversa sobre esse tema entre as senhoras.
Remeti-me ao silêncio, como é meu dever, quando, subitamente, a mesma convidada, resolve ir mais longe.
- Constança, achas que o Leonardo poderia nos ensinar a valsa?
- Leonardo? - Redirigiu-me a pergunta virando-se para mim.
- Se for esse o seu desejo, Madam.
- Seria muito interessante. Pode ser de seguida?
- Certamente, Madam. Permita-me apenas mandar preparar uma sala.
- A sala de jantar grande. - Indicou sem dúvidas.
- Muito bem, Madam.
Chamei quatro empregados e solicitei que todas as cadeiras fossem encostadas às paredes, a mesa desviada para o canto, um leitor de CD, com comando, posicionado sobre a mesa. Em escassos minutos fui informado que estaria tudo pronto.
- Quando as senhoras assim desejarem podemos nos deslocar à outra sala.
- Obrigada, Leonardo. - Levantando-se calmamente liderando as convidadas.
Levei comigo o CD de Leonard Cohen. Era o único que tinha uma valsa e estava por perto.
Apontei o comando e coloquei a rodar "Take This Waltz", em modo de repetição e posicionei-me de frente para as senhoras.
Após uma breve explicação passamos à práctica. Andar no tempo da valsa, 1, 2, 3, 1, 2, 3... postura, passos e compassos. Ouvir com atenção, sentir a música, pisar e deslocar de acordo. Finalmente, duas a duas, dança. Fazia correções e pontualmente dançava com quem necessitasse, para exemplificar. No final dancei uma valsa com cada uma e repeti. Assim se passaram mais de duas horas. Antecipadamente tinha mandado fazer limonadas que foram servidas à minha discreta indicação.
Para minha satisfação e brio era claro que tudo fora muito apreciado.
Nos dias de receções que se seguiram estas foram, sempre sem exceções, concluídas com a aula de valsa. Agora mais requintadas, com verdadeira valsa de Viena, e tudo prévia e rigorosamente preparado, como era a minha prática.
No reduzido círculo de amigas aristocráticas ficaram conhecidas as aulas e até alvo de camufladas invejas.
Com a prática ao longo do tempo notavam-se claros progressos. As senhoras dominavam a técnica e já dançavam com uma leveza, como se flutuassem sobre o piso de madeira escura, envolvidas pelo charme da valsa. Só havia uma excepção.
No final de mais uma tarde de convívio, após a saída das ilustres convidadas fui discretamente chamado:
- Leonardo. Gostava de lhe colocar umas questões.
- Certamente, Madam.
- Se não se importar sentamo-nos no salão.
- Como preferir. Permite-me que o mande repor? Ainda não deverá estar pronto após a aula de valsa.
- Não é necessário. Pode ser assim como está.
- Certamente, Madam.
Entramos no salão, rapidamente aproximei duas cadeiras da mesa e puxei a sua para que se sentasse. Mantive-me de pé. Com as portas fechadas e os dois sós, continha-me rigorosamente concentrado para não desviar o olhar para o seu pescoço, por causa de um delicioso pormenor, um pequeno e elegante lenço de seda que o deixava sensualmente arrumado.
- Por favor, sente-se. - Solicitou
- Com a sua licença, Madam. - Sentando-me à sua frente.
- Há algo que não esteja de acordo com o seu desejo, Madam? - Perguntei sem demoras.
- Não, Leonardo. Pelo contrário. Está tudo muito bem. Era mesmo por esse tema que gostaria de iniciar. Aproxima-se a data em que faz um ano que serve esta casa. Sei que a sua licença, de um ano, cessa em breve. O seu serviço superou todas as expectativas e gostaria que ficasse definitivamente. Se precisar dias para pensar diga-me.
- Não preciso. É com muita honra que agradeço e aceito a proposta, Madam.
- Excelente Leonardo. - Respondeu num tom contraditório ao que afirmava, como se algo a preocupasse.
- Falta algo, Madam?
- .... Sim. É outro assunto, muito diferente. Há qualquer coisa na valsa que não está bem. - Disse pela primeira vez que a vi hesitante.
- Pretende que faça alguma alteração nas aulas, Madam?
- Não, Leonardo. Sou eu. Todas as minhas amigas já dançam lindamente e apenas eu não consigo. Notará, certamente, toda a leveza delas enquanto eu tenho de ser quase arrastada.
- Nem toda a gente tem os mesmos tempos de aprendizagem, Madam. Não será motivo de preocupação.
- É muito simpático e otimista, mas certamente já se apercebeu da minha dificuldade. - Desanimada comentou.
- Não tenho dúvidas que, com tempo e práctica, atingirá a perfeição.
- Então pratiquemos para descobrir o que estou a fazer mal. - Desatando, o lenço do pescoço e colocando-o sobre a mesa.
Num esforço para ignorar o seu sensual gesto liguei, novamente, o som e deixei o CD das valsas mais clássicas a tocar. Colocamo-nos em posição e iniciamos a práctica personalizada.
Fazia algumas, poucas, interrupções para fazer ajustes, mas o problema era claro e, numa das paragens, afastou-se oportunamente confrontando-me.
- É possível perceber onde estou a falhar?
- Perfeitamente, Madam. É apenas um simples detalhe. Está desconfortável. Faz com que não consiga se entregar à música e consequentemente à dança.
- Porque acha isso?
- É natural, Madam. Eu sou seu empregado e, como tal, uma patroa, da sua classe, fica constrangida ao existir contacto visual de tão curta distância e se submeter à minha condução. Por este motivo foi mais fácil para as convidadas que, facilmente, me viram como professor.
Fez uma refletida pausa, acompanhada pela valsa ainda a tocar, denunciando alguma preocupação.
- Perdoe-me se o fiz sentir assim. Não era minha intenção.
- De modo algum, Madam. Não há razão para se preocupar. Tenho todo o gosto e orgulho em ser empregado desta casa e sou muito bem recompensado.
- Obrigada, Leonardo. É, como sempre, um cavalheiro. Fico mais descansada. Mas então se o meu problema é vê-lo assim perto... - Olhando para a mesa à procura do seu lenço, deixando-me muito preocupado com o desfecho.
- Certamente com a prática... - Tentando não ficar numa situação complicada.
- Gostaria de tentar sem ver. - Interrompendo-me e entregando o seu lenço de seda.
- Como preferir, Madam. - Aceitando algo muito arriscado, que me provocava secreta e profundamente.
Peguei no lenço muito cuidadosamente, abrindo-o na mesa e refazendo demoradamente as suas dobras, com todo o rigor.
- Com a sua licença, Madam. - Aproximando lentamente o lenço aos seus olhos.
Atei suavemente o lenço à volta e dirigi-a a uma cadeira para que os seus sentidos unicamente se concentrassem na valsa, enquanto eu recuperava deste tão erótico e inesperado momento.
- Apenas escute e sinta. - Indiquei, em tom suave, agora deixando propositadamente o "Madam" de parte.
Três valsas passaram e aproximei-me em dois lentos, mas audíveis passos.
- Dá-me a honra desta valsa? - Discretamente convidei.
Não consegue disfarçar um pequeno sorriso sempre que é tratada com esta formalidade de realeza.
Levantou-se cautelosamente, por estar vendada e aproximou a sua mão esquerda procurando orientação, sob a escuridão da seda.
Muito leve e lentamente coloquei as costas da minha mão sob a sua mão como se desse início a um baile real.
Dirigi-a ao centro da sala, posicionei-me à sua frente, assumimos a posição de valsa e com curtos passos tentávamos entrar no compasso. Sentia-a inicialmente receosa e perdida, mas o que a prendia rapidamente se sublimava. Passadas algumas músicas os passos tornaram-se um pouco mais largos e fluidos. Embora a evolução técnica fosse limitada a postura, perante mim, quase magicamente se alterou.
Ao fim de mais e uma hora a dançar valsa era fácil perceber que estava a ficar cansada.
- Talvez seja suficiente por hoje. - Sugeri oportunamente.
- Concordo. Estou esgotada - Respondeu sem hesitar.
Com o controlo remoto desliguei o som da aparelhagem. Contornei-a e, de trás, desatei calmamente o lenço que a vendava e que já se desviava da sua posição ideal. Acompanhei-a, em silêncio, até à cadeira e servi mais um copo da fresca limonada.
Enquanto recuperava o folego e bebia o refresco dobrei o seu lenço, sobre a mesa, em metades até pequeno quadrado, com precisão milimétrica, passando as mãos longitudinalmente entre cada dobra para ficar perfeito.
Este momento não escapara ao seu atento olhar.
Ao terminar devolvi-lhe o lenço nas suas mãos, enquanto me observava fixamente, talvez surpresa pela minúcia com que arrumara o seu acessório.
- Muito obrigado.
- Eu é que lhe agradeço Leonardo. - Suspirou num último folego
Na semana seguinte voltava a haver, como esperado, o encontro, o chá e a aula de valsa para rematar.
Este ritual fora aperfeiçoado estando, agora, precisamente planeado, sem margem para enganos e sendo motivo de plena satisfação social de D. Constança.
Ao contrário da semana anterior nada se falou ou fez após a aula conjunta.
Só me restava mandar arrumar e fechar a sala.
O encontro era o culminar da semana.
Sobrava um ligeiro desconforto, que perdurava no final, após as saídas das convidadas que, aparentemente, poderia estar relacionado com a memória do pós aula de valsa.
Sem me surpreender, no final do evento seguinte, fui solicitado para não fechar a sala preparada para a dança.
Em total silêncio, coloca o seu lenço de seda sobre a mesa sentando-se na cadeira. Nada era preciso dizer. Com todo o rigor abro todo o lenço, pego nas pontas opostas dobrando em triângulo, seguidamente em metade e, dobro novamente, em três terços. Uma perfeita fita com seis centímetros de largura, que seguro com as duas mãos, mantendo a postura como se nada me perturbasse.
O seu olhar autoriza-me a lhe colocar o lenço, vendando-a com cuidado.
Ligo o leitor de CDs e sigo o mesmo protocolo da anterior aula privada: uns minutos apenas a ouvir e logo a conduzo para o centro da sala.
Mais uma vez voltamos ao paradoxo em que a sua restrição é o que a solta.
Desta vez dançamos, repetidamente, quatro a cinco valsas e paramos cerca de um minuto onde faço algum breve comentário ou correção como: "Aqui esteve muito bem" ou "O passo poderia ser um pouco mais largo". Este lenço, de escorregadia seda tende a escapar. Durante o intervalo aproveito para o ajustar e garantir que a mantém rigorosamente vendada.
No final dançamos mais algumas valsas, mantendo o protocolo, mas apenas para disfrutar.
Excedemos o tempo que fora usado no passado. Mais de uma hora. Era altura de terminar.
Conduzo-a de volta á cadeira e sento-a suavemente.
- Muito obrigado, Madam.
- Eu é que lhe agradeço. Foi tão bom, Leonardo. Obrigada.
- Tive todo o gosto. - Enquanto desatava o lenço que a vendara
Sobre a mesa, sempre com a minúcia habitual, abro o lenço e, com quatro dobras precisas deixo-o muito bem arrumado, em pequeno quadrado.
Novamente D. Constança apercebe-se deste cuidado e, ainda a recuperar, não resiste a perguntar:
- Tem muito jeito com os lenços. Essa técnica está incluída na formação de mordomos? - Com alguma ironia.
- Perdão, Madam? - Como se não tivesse percebido a pergunta, para ganhar tempo de resposta.
- Como aprendeu a cuidar assim dos lenços? Já tinha reparado que os trata muito bem. - Insistiu curiosa após pegar no copo de fresca limonada.
- Faz parte da função ser rigoroso com tudo e os seus acessórios não são excepção. - Tentando responder muito profissionalmente.
- Mas há algo especial, que me agrada, mas que ainda não sei bem o que é. Conte-me mais. - Voltou a insistir.
- Parece-me, apenas, que seja um acessório com muita classe. Tem uma versatilidade que permite ser formal ou casual dependendo apenas do modo de dobrar e atar. - Tentando satisfazer com uma resposta genérica.
- Parece-me que sabe mais que indica. Reparei que ajustou o meu lenço diversas vezes enquanto praticávamos.
- Foi simplesmente por ser um lenço de seda que tende a escorregar por causa da sua textura.
- Então o que considera mais adequado para as aulas particulares? - Tocando num tema que pode ser provocador.
- Provavelmente um lenço que contenha algum algodão. Suave no toque, mas menos fugidio.
- Creio que todos os que tenho são de seda.
- Naturalmente. Não se preocupe que, mesmo assim, adaptam-se bem.
- Gosto de usar o mais apropriado. Gostava que adquirisse um conjunto.
- Certamente, Madam. Tem alguma preferência. - Surpreso com o pedido.
- Não tenho. Quero que seja de acordo com o seu discernimento. Tem alguma sugestão?
- Se me permitir apontaria para um conjunto Anne Touraine, de seda-algodão. Tem a textura do algodão e o especial toque da seda. Médios, com cerca de 70 centímetros de lado, são simples, mas muito versáteis, suaves e elegantes.
- Estou a ver que conhece. São mesmo esses que me interessam. Por favor, avance com uma encomenda. - Com ordem imediata como gosta.
- Certamente, Madam. Mais alguma coisa em que possa ajudar? - Tentando discretamente sair desta sensual conversa, de forma profissional, antes que notasse algo mais.
- É tudo, Leonardo. Obrigada. - Levantando-se e saindo da sala.
Quase atordoado com o tema e após mandar arrumar a sala, fui fazer a encomenda: quatro lenços seda-algodão, de bases, preta, rosa, vermelha e branca.
Alguns dias passados, enquanto verificava a sala onde aconteceria mais uma receção, de régua na mão, a garantir que tudo o que estava colocado sobre a mesa apresentava o rigor estabelecido, abordou-me D. Constança:
- Leonardo, indicaram-me que teria algo para mim. - No seu estilo cru.
- Sim, Madam. Já recebi a sua encomenda.
- Encomenda?! - Sem se lembrar no momento.
- Sim, Madam. Os lenços que encomendou. Se for oportuno vou buscar e levo-lhe ao closet.
Closet é o sofisticado eufemismo usado para descrever o enorme quarto de vestir de D. Constança, com os seus cerca de vinte metros quadrados, forrado a armários, com um grande espelho do chão ao teto, uma mesa central e uma poltrona.
Já o conhecia bem. Umas das minha tarefas fora reorganizar todas as suas roupas de modo a poder escolher por categoria e cor minimizando o tempo de procura. Redefini também a iluminação para que se veja até ao menor cabelo.
Não resisti a criar uma prateleira móvel com todos os seus lenços, rigorosamente dobrados e arrumados por dimensão e cor.
- A encomenda veio rapidamente! - Após a minha chegada ao closet com o volume na mão.
- Foi solicitada entrega expresso. Pretende que abra? - Sabendo o cuidado que tem com as unhas.
- Sim, por favor.
- Os seus lenços. Madam. - Colocando o conjunto das quatro caixas exclusivas sobre a mesa, depois de desembalar.
- Muito obrigada. - Abrindo em silêncio uma a uma.
Cada lenço que retira abre-o e coloca-o na mesa, passando a mão por cima para sentir a textura.
- São realmente muito bonitos e de qualidade, Leonardo. Sabia muito bem o que comprar.
- Obrigado, Madam. Fico muito contente que goste.
- Importa-se de fechar a porta? - Solicitou prontamente
- É para já, Madam. - Hesitando um momento.
- Prepare o preto.
- Para que fim, Madam? - Questionei indeciso
- Como se fosse para a valsa. Para ver se resulta melhor - Clarificou baixinho.
Evitando pensar muito, prontamente peguei no lenço de fundo preto, debaixo do seu atento olhar.
Dobrei e endireitei com o protocolar rigor, acabando com o lenço em fita nas mãos.
Sem mais palavras sabia o que teria de fazer.
Discretamente puxei uma cadeira e aproximei para que se sentasse.
Encostei o lenço aos seus olhos e atei-o com precisão.
Ouço o seu suspiro ao passar com a sua mão no lenço, sentindo toda a sua suavidade. Mantenho o silêncio como se não estivesse presente.
- Conduza-me. - Levantando a mão direita à minha procura.
Mesmo sem música demos alguns passos de valsa à volta da mesa. Virou-se para um lado e outro, como a dizer "não". Confirmou que era confortável e eficaz.
Levei-a à cadeira e, com a sua mão, ainda sem me ver, fez o sinal de parar. Ficou sentada assim sem mais nada dizer. Permaneceu vendada durante longos minutos.
O que supostamente seria somente um teste à textura, seria claramente mais que isso. Esta privação deixava-a num estado diferente. Libertava-a das convenções de alguém da sua classe. Saboreava este momento sem o confessar. Acredito que sabia, mesmo sem nunca o ter visto, que eu não tirava os olhos dela.
- Leonardo, amanhã, após as convidadas saírem voltamos a dançar. Pode arrumar o lenço. - Subitamente solicitou, como se acordasse deste modo.
- Certamente. - Desatando o seu lenço no mesmo instante.
- Obrigada.
- Mais alguma coisa, Madam?
- Sim, Leonardo. Esta minha camisa branca está a precisar de algum destaque. Que lenço destes recomenda? Gostaria de experimentar.
- Como tem os corsários azuis-escuros permita-me sugerir o lenço rosa em fita com nó lateral. Ficará com um ligeiro ar de anos 50.
- Pode preparar, por favor.
- Com todo o gosto, Madam. - Estendendo o lenço na mesa para o preparar.
Habilmente dobrei o lenço resultando numa fica estreita.
- Está pronto como pediu, Madam.
- Obrigada, Leonardo. Importa-se de o colocar como indicou. - Com o aroma de uma subtil prova.
- Com a sua licença.
Atei o lenço no seu pescoço, dando o nó de lado, ligeiramente deslocado atrás, garantindo a simetria das pontas, de forma que ficasse confortavelmente encostado, mas sem pressão. Os dedos nunca encostam diretamente no seu pescoço, embora sentisse a sua passagem sobre o lenço. Não fica indiferente a este subtil toque.
- Um último acerto.... Acredito estar pronto, Madam. - Verificando rapidamente se estava perfeito e com a devida classe.
- Muito obrigada. - Olhando-se ao espelho de um lado e do outro.
- Espero que esteja a seu gosto.
- Está milimetricamente colocado. - Mostrando clara satisfação.
- Muito obrigado, Madam.
- É uma caixa de surpresas. Está muito bem. Diga-me, por favor, se sabe colocar lenços de outras formas?
- Basta indicar-me que estilo deseja. Madam. - Bem sabendo do risco que representa.
- Muito bem. Obrigada - Saindo de seguida, discretamente surpreendida.
Começou a ser prática frequente, depois de se aperceber do meu conhecimento sobre estes sensuais acessórios, pedir-me para lhe sugerir e colocar um lenço, para rematar a sua indumentária, como se fosse uma nova função.
Configurava invariavelmente um delicioso momento, principalmente para mim, embora notasse o seu gosto por esse charmoso luxo.
Seria mais um subtil detalhe que a distinguia das suas amigas.
Deliciava-a, após indicar que ia sair no descapotável, sem demais palavras, que lhe colocasse um lenço no cabelo ou, simplesmente, quando sente que lhe falta realce ou, apenas, que lhe adicione charme à sua indumentária. Prontamente seleciono, dobro e coloco um lenço, após sua solicitação. No seu pescoço, a cobrir ou prender o cabelo, como cinto ou simplesmente a decorar a sua carteira. Tudo se adequa ao momento ou necessidade.
No dia seguinte, como agendado, o prestigiado chá decorria de acordo com o protocolo, seguido pelas cartas e finalizado com a aula de valsa. Também, como esperado, as convidadas disfrutavam e D. Constância mantinha-se mais reservada e discreta.
Terminado o evento, enquanto se despede, preparo a aula particular. Encosto discretamente a porta da sala e coloco o novo lenço de fundo preto, já dobrado em fita, preparado para a sua especial função.
Ao voltar para a sala desencosto prontamente a porta e fecho à sua passagem. Afasto a cadeira para que se sente e, ainda em modo social, o seu olhar desvia-se para a mesa reparando no lenço já preparado.
- Ahhh!... - Deixou escapar um suspiro sabendo qual era o objetivo desse arranjo.
Em discreto silêncio, pego no lenço e ato justo sobre seus olhos vendando-a eficazmente. Coloco a valsa a tocar. Como antes deixo tocar as valsas iniciais enquanto a observo sem reservas, por não me poder ver.
Termina a terceira valsa e novamente permito-me observar imóvel, durante mais alguns segundos. Delicio-me com a sua reação expectante pelo início, restringida pela venda.
Finalmente quebro o silêncio.
- Dá-me a honra - Estendendo a mão como habitual.
Reinício as valsas e começamos a dançar. As poucos se solta e entra na bolha da música. Entrega-se à minha condução e poucas correções são necessárias.
Procura mais proximidade, que lhe concedo. Ainda não dança bem, mas, pelo menos, tem prazer a ser levada pela música para outra dimensão.
A sua mão direita docemente pousada sobre a minha mão esquerda, a sua mão esquerda subira do meu ombro encostada ao meu pescoço, subtilmente suplicava que a mantivesse fora da realidade. Cada valsa mais se aproxima rendida á minha presença.
A dança prolongou-se sem que se desse por isso.
Passado algum tempo sabia que deveria terminar.
- Mais uma valsa e descansamos. - Responsavelmente sugeri num tom grave e baixo.
Sem resposta deixou-se levar para a cadeira sentando-se com a minha orientação.
Desligo a música.
Sirvo lentamente um copo da limonada propositadamente levantando o jarro para se ouvir o som do líquido a escorrer e faço uma breve pausa.
Desato o lenço devagar e coloco-o sobre a mesa entregando-lhe o copo cheio.
Desdobro o lenço e volto a dobrar em pequeno quadrado para ficar bem arrumado.
Em silêncio observa-me enquanto bebe o seu refresco, gole a gole espaçados.
Ao terminar e voltando à sua postura levanta-se dirigindo-se para a porta.
- Obrigada. - Disse bem baixo.
Apenas confirmo com um informal e discreto sorriso e aceno de cabeça. A partir do momento que eu atravesse essa porta tudo voltará ao normal.
O tempo aquecia com o aproximar do verão. Num dia que se fazia abafado, sem vento e sem nuvens, no deck da piscina era acompanhada pela sua cordial amiga. D. Estefânia de nome, como a rainha, sem nobreza, mas com muito capital,
Estava o sol a causar-lhe algum desconforto. Seu olhar brevemente procura-me e, atentamente posicionado sob o alpendre para garantir o serviço, de imediato apercebo-me do seu subtil gesto a passar a mão no cabelo.
Num ápice volto com um pequeno tabuleiro, com a dimensão de uma folha A4, forrado a veludo preto, com dois lenços grandes, de seda, com 90 centímetros de lado, ainda dobrados, para sua escolha.
- Verde água. - Decidiu num muito discreto tom.
- Muito bem. Madam. - Recuando até á mesa.
Abro o lenço, estico e removo qualquer ruga, dobro a meio em triangulo e volto a esticar da mesma forma.
- Com a sua licença. - Solicitando permissão para lhe colocar o lenço no cabelo e retirando seu óculos de sol.
Recua a cabeça para trás permitindo-me avançar.
Ato o suavemente o lenço na sua cabeça, com nó atrás, estilo pirata. Faço breves, mas pouco inocentes, correções milimétricas, permitindo sentir o meu suave toque sobre o tecido. Quando estou certo de que está totalmente simétrico nos lados, as pontas têm o mesmo comprimento e fluem livremente sobre seus ombros, bem como o cabelo sem qualquer desvio, reponho os óculos de sol e afasto-me tentando ser o mais discreto que consigo.
- Obrigada, Leonardo.
- Disponha, Madam.
D. Estefânia estava de olhos arregalados.
- O que se passou minha amiga? Como é que o teu mordomo sabia? - Fazendo a pergunta a que D. Constância adorava fingir que não percebia.
- Nada de mais. Basta olhar que ele sabe. - Com alguma disfarçada frieza
- Mas que treino tem?
- Não é treino. Que deselegante! Não é nenhum cão. É formação de elite e critério na escolha - Subtilmente exibiu.
- Está tão bem posto. Também aprendeu na formação?
- Não sei precisar como aprendeu. As suas mãos tocam nos lenços de uma forma especial. Tudo sai bem quando me coloca e sabe sempre escolher o certo para cada situação. É uma qualidade inesperada num mordomo que é muito útil.
- Agora tem funções de assessor de lenços?
- Não está no contrato mas, dito assim, parece-me bem.
- Há mais desses?
- Claro que não. É exclusivo para mim. - Discretamente sorrindo.
- Por isso andas sempre tão bem arranjada. Já tinha reparado. Ainda melhor que antes. Os lenços deixam-te cheia de charme.
- Obrigada. Faz parte da minha imagem.
- Os lenços?
- Não. O charme. Mas os lenços ajudam.
- E o mordomo também. - Provocou sem que D. Constança respondesse.
Era este tipo de diferença que apreciava. Que se visse sem dar nas vistas, que se soubesse sem ter de divulgar.
Com o passar do tempo as valsas privadas evoluíam para mais dança e menos pedagogia. Esta prática trazia, obviamente, os seus benefícios.
Numa quarta-feira, meio da semana, D. Constança, invulgarmente ansiosa e sem compromissos para essa altura, denunciava alguma solidão. Nesse momento fui chamado, no seu estilo prático de poucas palavras:
- Leonardo, por favor, prepare a sala para a valsa.
- Para quantas pessoas. - Tentando me certificar se tinha algum evento em mente.
- Só para duas. Passe no closet. Eu espero na biblioteca - Indicou quase friamente
Descodifiquei perfeitamente a mensagem. Era mais que clara.
Indiquei, de imediato, que preparassem a sala e levassem um jarro de sumo fresco de laranja espremida. Subi ao quarto e entrei no closet. Escolhi o lenço de fundo vermelho.
Cheguei à sala, rapidamente confirmei que estava tudo como solicitado deslocando-me, em seguida, à biblioteca.
- Se fizer favor, Madam. - Discretamente chamando-a.
Abri a porta facilitando a sua passagem, entrei e delicadamente fechei a porta em seguida.
Dei início ao protocolo: puxei a cadeira para que se sentasse, preparei o lenço com todo o rigor, aproximei-me lentamente e, com precisão, vendei seus olhos.
Coloquei o CD a tocar as valsas iniciais, enquanto lhe dava tempo para atravessar o portal para a outra dimensão.
- Dá-me a honra? - Como sempre convido.
Estica a mão sobre a minha e a partir do centro iniciamos a dança.
A cada valsa que se seguia o abraço compactava-se, a cada movimento mais se entregava e em cada momento mais disfrutava. Hoje estava especialmente disponível.
Apenas valsa, sem correções, pausas ou comentários. A comunicação era exclusivamente corporal.
O enguiço fora quebrado. Dançava com a leveza e graça de bailarina. Tudo o que tinha aprendido, durante as várias aulas aplicava, agora, sem constrangimentos. Os olhos vendados libertavam-na totalmente, em vez de a restringir.
Ultrapassamos as duas horas ininterruptas.
Ao sentir sinal de sua fadiga parei ao final de uma valsa.
Fugindo ao ritual, puxou o lenço para o pescoço, sentou-se e aceitou o copo de sumo que lhe servira. Desatou calmamente o lenço e entregou-me para que o arrumasse. Agradeceu sorridente e retirou-se da sala. Percebia-se facilmente a sua satisfação por finalmente sentir que teria atingido o seu objetivo.
Com a prática de valsa, D. Constança voava na dança mais e melhor que as ilustres amigas.
A aula privada já configurava uma forma de ritual. Agora, sempre após a saída das convidadas ela voltava à sala que se mantinha preparada. Eu dobrava meticulosamente um dos lenços, adquiridos para este fim e preparava-me deixando o casaco e gravata, na sala de biblioteca anexa e, em mangas de camisa e colete, aproximava-me. Vendava meticulosamente seus olhos preparando-a para valsa.
A formalidade inicial era invariavelmente seguida:
- Dá-me a honra desta dança?
- Sim, com todo o gosto.
Alguma necessidade de proximidade, aliadas ao seu gosto pela dança e, principalmente, a inibição de ver que anulava qualquer preconceito, refletia-se a cada prática.
Mais uma vez damos início à preparação. Sala arrumada, lenço sobre seus olhos e o CD a rodar.
Um lento abraço prepara-nos para a valsa dançada longamente sem paragens. Sem nada ver entrega-se ao tacto e audição. Esse abraço aproxima-nos a cada valsa que passa. Quando sente cansaço ou apenas desejo a sua mão direita prescinde da minha mão condutora. Discretamente é pousada sobre o meu peito. Seus dedos, pouco acidentalmente e muito atrevidamente, penetram entre os botões de cima da camisa, entreabertos.
O escuro do lenço dá-lhe uma falsa sensação de inocência que lhe permite esticar limites, para onde o seu status proíbe, mas a solidão suplica.
Nos intervalos, entre músicas, a sua mão sobe ao meu pescoço e a segunda discretamente se junta. De braços levantados aperta o abraço expondo os seus seios contra o meu peito. Sinto que procura o contacto, deslisando muito suavemente seus firmes mamilos.
Repete sempre que pausa a música, sempre com crescente intensidade.
Cúmplice, prolongo os intervalos, veladamente degustando cada movimento, cada contacto, cada desejo...
Sem nada ver não tem o ónus da culpa, sabendo que me confia um segredo que nunca sairá desta porta.
A última valsa das práticas, indicava claramente que era hora de voltarmos às nossas formais posturas, sem despedidas ou qualquer intimidade. Fica sentada, ainda vendada, esperando que desate o lenço dos olhos e o arrume.
Friamente, como se nada tivesse passado, recolhe-se a seus aposentos.
Tenho sempre presente o risco profissional que corro se estes momentos escalarem para outros níveis.
Entretanto, nos encontros seguintes, suas amigas facilmente notavam os seus extraordinários progressos que, agora, exibia com orgulho.
Essa evolução passara a ser tema da conversa.
- Como conseguiste aprender assim? Pareces profissional.
- Treino, minha querida.
- Assim não vale. Tens o professor em casa.
- É apenas uma questão de saberes selecionar bem os teus RHs. - Respondeu D. Constança segura de si.
- E como é que fizeste? Puseste um anúncio a procurar um mordomo que saiba valsa ou um professor de dança que saiba ser mordomo?
- Estás muito irónica querida. A minha gestora de recursos humanos selecionou e eu o escolhi entre os melhores.
- E parece que te fez maravilhas.
- Faz o que lhe compete. - Friamente respondeu.
- Mas como conseguiste ultrapassar o constrangimento de dançar com um empregado assim tão próximo? Todas percebemos que estava a ser mais complicado para ti.
- Há segredos que não se partilham, minha querida. Agora vamos lanchar. - Nada como um lanche para abreviar o tema.
Embora respondesse sempre no seu estilo seguro e dominador não era nada indiferente aos elogios. Principalmente num dia, como hoje, em que falara em vídeo chamada, com o marido, cada vez mais distante e indiferente.
Algo a afetara mais que o habitual.
Após a aula de valsa e de se despedir das amigas era tempo para a práctica, mas não estava seguro de que hoje fosse essa a sua vontade.
Estava mais tensa que habitual. O dia não lhe estaria a correr bem.
- Fazemos a práctica, Madam? - Na dúvida perguntei.
- Claro que fazemos. - Respondeu imediatamente.
- Certamente, Madam.
Como sempre seguimos para a sala, mas algo a inquietava. Embora mantivesse a postura seus húmidos olhos confessavam uma solitária tristeza. Sentou-se numa cadeira, junto à mesa, onde estava pousado o lenço já preparado sobre a mesa. Quebrando o protocolo adiantou-se e fez um inesperado pedido:
- Prepare-me, por favor.
- Certamente, Madam.
Iniciei a música e, mantendo a postura, abri o lenço sobre a mesa, dobrei-o meticulosamente em fita, sem deixar nenhum vinco ou imperfeição e, com todo o cuidado, aproximei dos seus olhos. Era uma luta interior entre a postura profissional e a provocação a que estava sujeito.
- Com a sua licença. - Sussurrei.
Inclinou a cabeça para trás num submisso gesto, como se estivesse a suplicar para a vendar e abrir o portal que a desliga do mundo real.
Com precisão relojoeiro cobri os seus olhos com o lenço e ajustei o nó com segurança.
Quase de imediacto percebia-se, pela sua linguagem corporal, que se libertava da tensão.
O casaco e gravata, já dispensados, no encosto de outra cadeira.
- Dá-me a honra? - Recebendo a sua mão na minha.
O escuro a que se rendeu quando o lenço cobriu seus olhos pacificou-a quase de imediato. Envolta no meu abraço e embalada pela valsa dançava maravilhosamente pela sala.
Inocentada por não ver, a sua mão, mais cedo que o costume, discretamente deslizou para o meu peito procurando a zona desabotoada. Fazia como se fosse acidental, mas procurava o meu calor com toda a intensão. Do abdominal ao peitoral percorria toda a minha anatomia acima da cintura. Precisava desesperadamente de sentir.
Inesperadamente parou e deu um cuidadoso passo atrás e virou-se de costas para mim. Queria fazer algo discreto, mas o lenço não lhe permitira ver que um espelho estava na sua frente. Sem que imaginasse via todos os movimentos e toda a sensualidade que pretendia esconder. Hesitantemente, botão após botão, abriu a blusa, quase até ao umbigo, expondo o contorno interior do seu peito livre e os ombros, desconhecendo o meu olhar. Era premeditado! Nada usava debaixo da blusa.
Esticou o braço esquerdo para que a conduzisse assim como estava, de costas para mim.
Levemente encostei o meu peito nas suas costas, deslizei lentamente a minha mão, sobre a sua suave pele, do cotovelo até à sua mão e fechei, com o meu outro braço a pousar seguramente sobre seu umbigo. Pousou a sua mão direita sobre a minha entrelaçando os dedos.
Dançamos várias valsas nesta coreográfica posição. Não se ficou por aí. A cada valsa guiava subtilmente, a minha mão, para o interior da blusa, até que a deixou encostada à curva inferior do peito.
Era óbvio que parar por ali não fazia parte das opções e assim disponível e tão eroticamente vendada, fragilizava a minha postura e resistência.
As pontas dos meus dedos ganharam vida e exploravam o perímetro do seu peito enquanto se retorcia incentivando para que fossem ainda mais atrevidos. Os três tempos da valsa perdiam-se sobrando, apenas, um pendular movimento, sem deslocamentos. O compasso era, agora, outro. A mão, forte e segura, pressionava calorosamente o peito alternando com superficiais carícias nos mamilos.
Parecia não ter fim a exorcização da sua camuflada solidão. Procurava o prazer contorcendo-se despida de preconceitos.
Eu tinha aceitado e possuído tudo o que me oferecera. Sentia a sua intensa respiração. Não era claro de revelava cansaço ou excitação.
Fiz uma pausa momentânea e, subitamente, rodei-a pirueta e meia, num firme movimento de passo doble, ficando encostada pela frente envolvida num firme e dominante abraço. Não quis ficar por aí e demonstrou-o empurrando-me com vigor. Recuei diversos passos caindo, ruidosamente, sobre uma cadeira, sentado.
Propositadamente mantive-me em total silêncio escondido sob as valsas que ainda soavam. Neste momento de desorientação, perdeu a noção de onde eu estaria sentado. Tinha de me encontrar, mas nunca desataria o lenço dos olhos e, muito menos, chamaria por mim. Andou minutos perdida à procura. Estava com uma postura que irradiava erotismo: vendada, de blusa aberta, avidamente à procura e plena de desejo.
Finalmente tocou num dos meus joelhos. Mordendo os lábios, de frente para mim, em pé e colocando uma perna de cada lado dos meus joelhos juntos agarrou na minha cabeça, num movimento único encostou ao seu peito a reclamar seu merecido prémio.
Abri os lábios, tanto quanto podia, mas mais que devia e envolvi o seu peito aquecendo toda a zona. Era a húmida língua que acariciava a rubra extremidade, do lado esquerdo enquanto a mão aconchegava o lado direito até chegar sua vez.
Languidamente dirigi a boca ao outro peito, arrastando os lábios pelo caminho. Degustava-o como se fosse o último do mundo. O aperto que fazia na minha cabeça quando me puxava para si até me dificultava a respiração enquanto todo o seu corpo se roça no meu numa suada, longa, e intensa envolvência. Um após outro devorava-os intensa e repetidamente. O seu retorcido corpo faz com que a blusa descaia até à cintura, oferecendo-me maior campo de ação, que a língua e mãos conquistam ávida e lentamente. Inclinada para trás, contorcendo-se de braços levantados e mãos atrás da nuca rende-se expondo-se ao meu desejo. Não fica nada por conquistar e degustar.
Pouco a pouco o ritmo baixa acusando fadiga. Ao atingir o ponto em que a razão volta a assumir o controlo pausamos e levantamo-nos, peguei na minha roupa e retirei-me para a biblioteca para me recompor, desatando o lenço dos seus olhos sem nada dizer.
Ao sair encontro-a à porta também composta agindo como se nada tivesse passado.
- Posso ajudar, Madam?
- Pode. Trazia-me um refresco?
- Certamente, Madam. Posso sugerir a limonada com pouco açúcar? Parece-me adequado.
- Obrigada. Perfeitamente adequado. - Esboçando um subtil sorriso.
Ao contrário do que podia ser esperado nada se alterou depois deste momento de descontrolo. Fora destes momentos o meu profissionalismo era intocável. As receções continuaram e a aula de valsa, com as amigas, no final, também.
A prática, mano a mano, acontecia sempre que a solidão a perturbava ou quando sua líbido implorava atenção. Para evitar constrangimentos apenas quando deixava o lenço discretamente sobre a mesa, seria dia de dança particular.
Sobrava o reprimido desejo de ir mais longe.
QT
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