Quadrado Textil

Quadrado Textil
Lenço (latin linteum, -i, pano de linho) s.m. Peça de roupa, que consiste num pedaço de tecido, quadrado, com que se abriga o pescoço ou a cabeça.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Blind Date




Desse conhecimento e intimidade que por vezes advém de campos sem rosto e sem pele, delinearam estratégia para que o encanto não escorresse. Que de palavras se alimentaram as suas alma, delas criando imagens entrançadas de vida .

Arquitectaram, com pormenores de mãe que espera um filho, o enxoval do encontro.

O espaço, o momento e algo precioso - lenços de seda que ocultassem o que se vê e os deslumbrassem naquilo que apenas a pele sente. Porque queriam sentir e ver com a pele. Não com os olhos. Queriam buscar o mais íntimo, o mais fulcral, aquilo que impedisse a emoção de entediar-se, e fugir, em tons de vulgaridade pardacenta que nada alumia ou aquece. Queriam ser árvore e pássaro. Lua e sol. Rio e mar. Água e fogo. Homem e mulher. Queriam que a vida se prolongasse nessa magia até então sentida e vivida de palavras escritas.

Outrora ela havia-o sonhado em cenário de fantasias proibidas, depravadas, demoradas, encantadas, envoltas em bruma de memória de ontem, de hoje, de amanhã e de “talvez um dia”.

Na saudade do que não vivera e do que ansiava voar.

Tinha-o procurado nas linhas desalinhadas dos desencontros e nos labirintos das páginas desencontradas, em desejo de calor de sons, cores e toques, ao som do gemido doce do sax, em noites de suspiros abafados.

Ela entrou, despiu-se de trajares de rua e cobriu-se apenas de blusa de cetim branco, textura que acaricia e que se escorrega de tentação. Nada mais teria. Opção sua, apenas. Para ele seria surpresa de textura e de despudor.

Iluminou o quarto de escuro. Colocou a venda, um lenço de seda branca, opaco, cumprindo o íntimo protocolo. Quedou-se erguida em si, apoiando as mãos no ferro da cama.

Aguardou-o numa serenidade de quem não era.

Sentiu a porta a abrir.

Ele olhou o vulto dela. Teria aquela mulher em escuridão que clareia a linguagem da pele e revela o sentido dos odores. Olhou-a e agradou-lhe o cabelo pelos ombros, farto. “Sou eu”, disse, e ela não respondeu, sentindo, naquele preciso momento, uma vertigem por si, fundeada no reconhecimento daquela voz que, até então, apenas pressentira. Ele colocou a venda – um lenço de seda negra - e ela se dirigiu, em passo cuidado.

Estavam perto, ele e o cheiro dela quase roçando. Procuraram as mãos, que são delas que saem os afectos dos que não pressentem com a visão. Sentiam-se únicos, um do outro, peças originais de sensações nunca vividas.

E foram pele. Alquimia. Desejo em poros que se descobrem. Respiração conjugada em compasso de chuva. As mãos dele curiosas, em vagares de mestre, deslizando entre o cetim e a pele. Mãos fortes e suaves, as dele - sarja e veludo.

E foram longos esses breves momentos de viagem. Ela quedando-se, como se suas mãos estivessem presas e sua boca amordaçada.

Apenas esperava, em deleite de entreabrir de coxas aos dedos dele.

E ele navegou como veleiro e respirou como pirata em momento de saque. Demorou nesse degustar de dedos e vales e montes secretos.

Arco-íris de sabores e texturas.

Em geometria perfeita dos corpos, foram doce e vigoroso embalar de onda e remoinho.

Mais tarde ela tocou a nudez dele. Mãos dançando no rosto descobrindo trejeitos de intimidade e degustando a metamorfose naquela face – a rigidez da testa, o lábio sob a pressão dos dentes, a respiração apressada e essa ave que crescia nas mãos dela sob beijos e afagos.

Degustaram-se naquela escuridão de sensações tempestuosas em carícias de flor.

Depois, a serenidade assomou e os lábios dele secaram o rio salgado no rosto dela.
E chegou a palavra em sussurro e mimo de quem precisa de regaço. E no repouso que se seguiu, aconchegou-se ela nele e ele nela. Em silêncio de escutar o coração.

Ele vestiu-se – “Agora vou”, disse depois de beijar a boca da mulher cujo rosto apenas se desenhou nas suas mãos.

“Fico aqui, espero que saias” – respondeu ela muito baixo, virando-se para o outro lado como se a timidez em si se tivesse apeado.

Mais tarde, vestida, preparada para voltar ao seu caminho asfaltado de rotina, ainda sorria.

Ica

2 comentários:

  1. "Iluminou o quarto de escuro. Colocou a venda, um lenço de seda branca, opaco, cumprindo o íntimo protocolo. Quedou-se erguida em si, apoiando as mãos no ferro da cama." Lindo Lindo lindo*

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  2. Simplesmente lindo.Meus poros erguem-se em arrepios até agora!Por momentos sentia a autora a me despir a vida em um conto.Que domínio da escrita e da linguagem imaginária!Parabéns!

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